Biofilia, saúde, autossuficiência, sustentabilidade… A horta em casa virou um símbolo para muita coisa importante hoje em dia, mas você sabia que ela não é novidade nesse mundo? Os chamados jardins de cozinha fazem parte da cultura humana desde sempre, e hoje vamos falar um pouco sobre a história e evolução desse tipo de jardim ao longo do tempo.

Desde a Roma antiga nós encontramos o cultivo de ervas em vasos. Além da agricultura dos campos, o ser humano começa muito cedo a cultivar para si próprio, mas a coisa fica mais interessante lá pela Idade Média, com seus castelos e fortalezas.

Idade Média

Os jardins da Idade Média eram, em sua maioria, espaços utilitários. Isso porque, em meio às tortuosas ruelas e prédios amontoados da cidade fortificada, não havia muito espaço para o plantio e, se houvesse, era melhor que fosse comida mesmo. Do lado de fora das muralhas não fazia sentido ter um jardim, afinal, ele poderia ser destruído a qualquer momento em uma batalha. Somente as fortalezas mais ricas possuíam jardins para lazer em seus interiores, mas existia um lugar nessa época que não estava sob constante ataque.

Os mosteiros eram como pequenas cidades autossuficientes, e o centro de toda atividade cultural das comunidades. Era na Igreja e nos mosteiros que encontrávamos os estudiosos, artistas e médicos. Por muito tempo, as igrejas e mosteiros abrigaram as únicas escolas do Ocidente.

Imagem de um pátio visto do claustro de um mosteiro.

Em meio às construções do mosteiro era possível encontrar inúmeros pátios, cada um com sua funcionalidade: Havia pátios para a criação de animais domésticos, havia o pátio que servia como cemitério, que geralmente possuía árvores frutíferas… Mas em meio a todos os pátios, dois eram particularmente interessantes para nós.

O primeiro era o chamado jardim físico, em que eram cultivadas as chamadas ervas medicinais, devidamente organizadas em canteiros separados. Essa separação servia para evitar confusão entre as espécies, mas também para garantir que o aroma de uma planta não prejudicasse o de outra. Essa separação de canteiros será importantíssima para o jardim de cozinha e até hoje é usada por ser necessária em alguns casos, por exemplo, no cultivo da pimenta. Caso você não saiba ainda, se você cultivar uma pimenta menos picante ao lado de uma mais picante, a chance dela ficar mais picante com o tempo é enorme. Os canteiros elevados também se tornaram uma ótima forma de cultivo urbano por aumentar a profundidade da terra rica em áreas com pouco solo, ou em que o solo não é bom.

O outro pátio que encontramos nos mosteiros é o jardim de cozinha, um espaço destinado ao cultivo dos alimentos consumidos no mosteiro. E assim, completava-se o ciclo de autossuficiência. O trabalho nesses pátios era considerado uma atividade meditativa e religiosa, e era exercido pelos próprios monges como parte de seus deveres canônicos. Assim, muitos desses espaços obedeciam à simbologia religiosa, com os canteiros e caminhos organizados em formato de cruz, e vasos de flores simbólicas para decorá-los.

O Jardim Potager

Na França, o jardim de cozinha evolui para se tornar um espaço mais estético, mas sem perder a funcionalidade. A palavra Potager significa sopa, uma sopa grossa e substanciosa. Assim, o jardim capaz de produzir aquilo que vai nessa sopa acabou por ganhar o seu nome, mas tudo podia ser cultivado nesse jardim de cozinha: desde frutas e vegetais até ervas e flores comestíveis.

Os jardins desse estilo começam se inspirando na simbologia religiosa, mas com o tempo evoluem para ganhar ainda mais características ornamentais.

As plantas, organizadas em canteiros em formatos geométricos, ficam mais apertadas no espaço, para se parecerem mais com os jardins ornamentais da época. Um bom exemplo é o Potager du Roi, em Versailles, na França. Esse jardim potager tem cerca de nove hectares e era cuidado por trinta jardineiros experientes para alimentar a toda a corte do Rei Louis XIV. Sua estética, apesar de se tratar de um enorme jardim utilitário, não perde em nada para àquela dos conhecidíssimos jardins do Palácio de Versailles. Esse enorme jardim de cozinha pode ser visitado hoje em dia e não mudou quase nada em comparação com a sua configuração original.

O Cultivo em Espaldeira

Uma tradição interessante dos jardins de cozinha nessa época é cultivo de árvores frutíferas com poda e tutoramento rigoroso.

As árvores em espaldeira ocupavam menos espaço, facilitavam a colheita e intensificavam a frutificação. Além disso, elas acompanhavam a formalidade dos jardins da época, pois podiam ganhar diversos formatos geométricos.

Essa prática não é utilizada para o plantio de frutíferas nos pomares modernos, que possuem enormes fileiras de árvores lado a lado, mas ainda é bem comum verificar o cultivo de espaldeira em vinhedos: O cultivo de videiras em espaldeira é bem comum em climas temperados e solos menos férteis.

O Jardim de Cottage

O Cottage é uma casa simples e pequena, que abrigava a classe trabalhadora, um lugar que podemos traduzir para chalé ou pequena casa de campo. Essas pequenas casas tinham com si pequenas áreas que jardim, que se tornaram os chamados Jardins de Cottage.

Há quem diga que esses jardins surgiram com o final da Peste, pois com a morte de tantas pessoas, muitas terras ficaram vazias e foram ocupadas por trabalhadores. De qualquer forma, o jardim de Cottage surge com força no período Elizabetano. Nesses jardins, o cultivo de alimentos se mistura com o lazer, então podemos encontrar todo tipo de planta: alimentícias, medicinais, ornamentais… e ainda acompanhadas de animais domésticos e até mesmo colméias para coletar mel.

Aqui, os jardins começam a perder sua formalidade, algo que era tão característico dos jardins da nobreza. Afinal, se você só tem um pequeno pedaço de terra, ele deve servir para todas as funções. Ao longo do tempo, o Jardim de Cottage vai ser fortemente elogiado e propagado, inclusive pelos movimentos de Arts and Crafts entre 1880 e 1920. Nos Jardins de Cottage encontramos mobiliário de jardim e itens decorativos, mas também instrumentos de jardinagem e vasos por todo lado… é uma paisagem bucólica que se cria mais pelo uso do que pelo propósito decorativo

Esse tipo de jardim se adapta ao tempo e é um dos primeiros estilos em que se permite tudo, inclusive usar o seu gosto pessoal, mas ele será assim, tão atemporal, principalmente por se adaptar tão bem a qualquer espaço, até o menor deles.

Com o tempo ele fica mais e mais informal e também vai perdendo o seu caráter utilitário conforme a compra de alimentos vai ficando mais fácil do que o seu cultivo.

Tempos Modernos

O tempo passa e acontece a industrialização, o capitalismo, a produção em massa e as cidades superpopuladas… E todos esses fatores têm influência direta na facilidade com que conseguimos alimento hoje em dia, mas também são as responsáveis pelo fast food, pelos agrotóxicos e pela queda dos valores nutricionais dos alimentos. Surgem as regiões chamadas de “desertos de comida”, em que sequer se encontra um alimento fresco para vender. A saúde do ser humano nunca esteve tão frágil e em grande parte por causa dessa alimentação processada e pobre que é muito mais acessível do que alimentos frescos, frutas e vegetais.

Entre agrotóxicos e indisponibilidade, ressurge o Jardim de Cozinha com um novo nome: A Horta em Casa. Encontrando espaços em varandas, quintais, ou mesmo uma janela com sol. Ela é uma fonte de saúde e bem-estar em tantos sentidos, mas também é um símbolo de resistência em tempos tão difíceis.

O Jardim de Cozinha de hoje é o retrato de nossos tempos: é apertado, cabe onde dá e tem o que cabe… mas causa aquela satisfação na hora de temperar uma comida ou comer uma salada, porque, enfim, essa hortinha é sua e, ao contrário da maioria do que você tem em casa, foi você que fez; e não há nada mais gratificante do que isso.

Se você quer fazer parte dessa mudança, eu te convido a conhecer a minha série Cuidar, Colher e Comer no Instagram @gainteriores. Basta olhar os destaques no perfil ou então buscar pela hashtag #CuidarColhereComer, para saber mais sobre como cultivar em casa.

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